A Associação Comunidade Waimiri Atroari (Acwa), que representa formalmente os
interesses da etnia, pediu à Justiça para ingressar como interessada na ação
movida pelo Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas, na qual o órgão exige
o reconhecimento de violações a direitos fundamentais e reparação de danos
causados ao povo indígena durante a construção da BR-174, no período da
ditadura militar no Brasil.
A ação, apresentada à Justiça em agosto deste ano, exige a
reparação dos danos causados ao povo indígena, por meio de indenização no valor
de R$ 50 milhões, pedido oficial de desculpas e inclusão do estudo das
violações sofridas pelos indígenas nos conteúdos programáticos escolares, e
requer também garantias de direitos para que tais episódios não se repitam.
Nos pedidos de decisão liminar
urgente, o MPF quer que a Justiça obrigue o governo brasileiro e a Funai a
retificarem a área da Terra Indígena Waimiri Atroari para incluir o trecho
referente à BR-174 como parte da terra indígena e proíba qualquer medida de
militarização da política indigenista naquele território, como incursões militares
sem o consentimento do povo Waimiri-Atroari e possível condução de assuntos
referentes a direitos indígenas da etnia por agentes e órgãos militares.
A ação civil pública tramita na
3ª Vara Federal do Amazonas, sob o número 1001605-06.2017.4.01.3200. O pedido de ingresso da Acwa
como parte da ação aguarda decisão da Justiça para ser acatado.
Consulta prévia
A ação inclui ainda, entre outros
itens, pedido de liminar para proibir qualquer medida legislativa ou
administrativa com impacto sobre o território Waimiri Atroari sem consentimento
e autorização prévia e determinante da comunidade indígena, que deve ser
consultada, conforme a Convenção nº 169 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), de forma livre e informada, com base em regras a serem
definidas pelo próprio povo Kinja.
O MPF sustenta no documento que
“o Estado causou a morte de diversos Kinja por ataques diretos e em razão do
contato interétnico, o que deve ser reparado”. Nesse sentido, o órgão pede que,
ao final da ação, a União e a Funai sejam obrigadas a realizar cerimônia
pública de pedido de desculpas na Terra Indígena Waimiri Atroari, em que se
reconheça os atos praticados contra o povo indígena pelo Estado brasileiro, e
entreguem à comunidade todos os documentos governamentais, civis ou militares
produzidos no período da ditadura militar, referentes à etnia e ao
empreendimento de construção da BR-174.
Relatos de mortes e violações de
direitos
O inquérito civil público, que
serviu de base para a ação, foi instaurado em 2012. Foram cinco anos de coletas
de documentos e oitiva de testemunhas sobre os fatos narrados na ação. Este
ano, quando a ação estava quase pronta, o MPF se reuniu com lideranças
indígenas do povo Waimiri-Atroari, que concordaram com o seu teor e pediram que
o órgão fosse adiante com as demandas de reparação. Após o encontro, o órgão
recebeu depoimento gravado pelos líderes waimiri Dawna e Wanaby, no qual contam
em detalhes todo o sofrimento a que foram submetidos durante a construção da
BR-174.
“A abertura da estrada passou bem
ao lado de um dos nossos roçados. Nele havia muita plantação de mandioca. Na
aldeia havia poucos guerreiros e não tivemos chance de atacar naquele momento.
Não queríamos arriscar perder a vida contra aquele grupo de homens brancos bem
armados. […] Antes do início da abertura da estrada nós éramos livres, fortes,
andávamos pelos caminhos, de uma aldeia para outra. Quando chegou a construção
da estrada nossa população diminuiu. Veio muita doença. Fomos envenenados
durante a noite pelo inimigo. A perseguição sempre ocorria à noite. Durante o
dia era tudo normal. Durante a noite escutávamos barulho alto de espingarda ou
bomba. Não sabíamos o que era. Sentíamos muito medo”, contam os índios no
depoimento originalmente concedido na língua Kinja e traduzido para o português
por intérpretes da etnia.
Em outro trecho da gravação,
Dawna e Wanaby relatam diversas mortes em função de doenças contagiosas que
afetaram as aldeias após a abertura da estrada. “Depois que a estrada ficou
pronta, a doença conhecida por sarampo quase matou toda a aldeia. Muitos kinja
morreram”.
Para o procurador da República
Julio Araujo, coordenador do GT Povos Indígenas e Regime Militar que assinou a
ação com outros cinco procuradores, o país revive um momento de fortes pressões
político-econômicas ao território dos povos indígenas, situação semelhante à
que colocou os waimiri à beira do extermínio décadas atrás. Segundo ele, o MPF
tem o dever de evitar que relatos lamentáveis como esses se repitam.
“A tentativa de passar por cima
dos direitos indígenas para implantar projetos de infraestrutura, como linhas
de transmissão e estradas, ou para assegurar a exploração de recursos minerais
gerou consequências muito graves, e a reparação nunca será plena. Não repetir
os mesmos erros, ainda mais em tempos democráticos, é o mínimo que se espera
para que não ocorram novas violações”, afirmou Araújo.
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