O Ministério Público Federal
(MPF) denunciou à Justiça Federal o médico e empresário
Mouhamad Moustafa, a empresária Priscila Marcolino Coutinho, a enfermeira
Jennifer Naiyara Yochabel Rufino Correa da Silva e outros seis policiais civis
e militares pelo crime de tortura contra Gilmar Fernandes Correa e André Paz
Dantas, então funcionários da empresa Salvare, envolvida em uma organização
criminosa que desviava milhões de reais da saúde pública do Estado do Amazonas,
desarticulada na Operação Maus Caminhos. As vítimas foram acusadas pelos
autores do crime de desvios de dinheiro dentro do próprio esquema de corrupção.
Segundo as investigações, em
junho de 2016, Mouhamad Moustafa, auxiliado por policias que faziam parte de
sua equipe de segurança, cometeram tortura contra Gilmar Fernandes Correa e
André Paz Dantas, mediante o emprego de violência e grave ameaça, com o intuito
de obter confissão dos desvios, em tese, cometidos por eles na empresa de
Mouhamad, Salvare Serviços Médicos Ltda.
Conforme apuração do MPF,
Priscila Coutinho havia alertado Mouhamad que Gilmar e André, à época
empregados no setor de contabilidade da Salvare, teriam desviado recursos da folha
de pagamento da empresa para benefício próprio. Mouhamad então determinou que a
chefe do núcleo operacional da organização criminosa, Jennifer Silva, marcasse
uma reunião mais reservada com Gilmar e André, usando a desculpa de que haveria
necessidade de um serviço contábil na sede da Salvare e de lá iriam para a sede
da empresa Total Saúde, que também fazia parte do grupo empresarial.
Após deixar a Salvare, Gilmar e
André seguiram de carro com Jennifer, que alegou a necessidade de passar na
casa dela para buscar um documento antes de seguirem para a sede da Total. Já
na casa de Jennifer, as vítimas foram convidadas a entrar no imóvel, onde
Aroldo da Silva Ribeiro, o Coronel Aroldo, com arma em punho, ordenou que
Gilmar e André fossem algemados. Depois disso, Mouhamad chegou ao local e
colocou sobre a mesa um revólver, falando para Gilmar e André que “a casa tinha
caído”, referindo-se à descoberta dos desvios na empresa. O médico então diz
que ambos devem confessar, além de indicar se alguém mais estaria envolvido no
esquema de desvio.
A denúncia também narra que as
vítimas foram levadas a cômodos separados para conversar, sempre sob ameaça de
prisão, espancamento, exibição na imprensa e até morte na cadeia. Os relatos
colhidos na investigação mostram que André e Gilmar foram ainda obrigados a
gravar vídeos dizendo que não teriam sido agredidos de qualquer maneira por
Mouhamad e os envolvidos.
O policial civil Edson Cursino
Júnior e os policiais militares Alessandro Dantas, Ageu Lima, Francisco Wuendel
Thomé e Wildson Cumapa participaram em auxílio às ordens de Mouhamad e do
Coronel Aroldo, vigiando André e Gilmar e reforçando a pressão psicológica
sobre os dois.
De acordo com áudios
interceptados pela Polícia Federal, Mouhamad, com voz autoritária, dá duas
opções para Gilmar e André: eles assinariam um acordo extrajudicial ou seriam
presos e mortos na cadeia. O acordo extrajudicial consistia na demissão
voluntária de Gilmar, em que ele declararia ter recebido todos os valores a que
poderia ter direito e entregaria o seu carro para Mouhamad. Já para André, os
termos do acordo especificariam que ele não poderia entrar na Justiça contra as
empresas Simea e Total Saúde, além de elaborar uma carta pedindo demissão da
empresa.
Depois de horas de violência
psicológica, Gilmar e André confessaram os fatos desejados por Mouhamad e
assinaram documentos de rescisão de contrato de trabalho e quitação de verbas
rescisórias, apesar de nada receberem.
Pedidos de condenação – Na ação
penal, o MPF pede a condenação de Mouhamad Moustafa, de Priscila Coutinho, de
Jennifer Silva e dos seis policiais pelo crime de tortura, previsto na Lei nº
9.455/97 e definido como “constranger alguém com emprego de violência ou grave
ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental com o fim de obter informação,
declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa”.
A pena prevista para a prática da
tortura para obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira
pessoa é de reclusão de dois a oito anos, aumentada de um sexto a um terço
quando o crime é cometido por agente público. O MPF requer ainda a suspensão
dos policiais do exercício da função pública.
Operação Maus Caminhos –
Deflagrada em setembro de 2016, a operação Maus Caminhos desarticulou um grupo
que possuía contratos firmados com o Governo do estado para a gestão da Unidade
de Pronto Atendimento (UPA) Campos Sales, em Manaus; da Maternidade Enfermeira
Celina Villacrez Ruiz, em Tabatinga; e do Centro de Reabilitação em Dependência
Química (CRDQ) do estado do Amazonas, em Rio Preto da Eva. A gestão dessas
unidades de saúde era feita pela organização social Instituto Novos Caminhos
(INC).
Dos quase R$ 900 milhões
repassados, entre 2014 e 2015, pelo Fundo Nacional de Saúde (FNS) ao Fundo
Estadual de Saúde (FES), mais de 250 milhões de reais teriam sido destinados
unicamente ao INC.
As irregularidades foram
comprovadas por meio de informações bancárias e fiscais e conversas
telefônicas, obtidas mediante ordem judicial, relatórios de órgãos de
fiscalização como o Ministério da Transparência, Controladoria-Geral da União e
Receita Federal, bem como documentos obtidos nas buscas e apreensões, inquéritos
policiais e outros documentos encontrados em fontes abertas.
Os órgãos de fiscalização
apuraram que os maiores fornecedores do INC eram apenas três empresas: Salvare
Serviços Médicos, Total Saúde Serviços Médicos e Enfermagem e Sociedade
Integrada Médica do Amazonas (Simea), que faziam parte, na verdade, de um mesmo
grupo econômico, comandado por Mouhamad Moustafa.
A investigação mostrou ainda a
existência de um forte braço político do esquema, também denunciado pelo MPF,
envolvendo o ex-governador do Amazonas José Melo de Oliveira e cinco
ex-secretários. Os gestores públicos denunciados eram diretamente beneficiados
por meio de distribuição de propina e outras vantagens provenientes dos desvios
de verbas públicas coordenados pelo médico Mouhamad Moustafa. O processo em que
os agentes políticos são acusados de integrar a organização criminosa está em
fase de audiências de interrogatório de testemunhas de acusação e de defesa, e
oitiva dos réus.
Mouhamad Moustafa, Priscila
Marcolino Coutinho, Jennifer Naiyara Yochabel Rufino Correa da Silva e
Alessandro Viriato Pacheco já foram condenados por organização criminosa a
penas de prisão que, somadas, ultrapassam 36 anos. Além da prisão, as penas
incluem pagamento de multas milionárias e a perda de bens de alto valor
apreendidos quando a operação foi deflagrada. Em relação a outros integrantes
do grupo, a ação penal por organização criminosa segue tramitando na Justiça
Federal.
Outras dezenas de ações criminais
por peculato e contratação direta e ações de improbidade administrativa foram
ajuizadas pelo MPF contra os envolvidos no esquema e contra empresas utilizadas
para o desvio de recursos, ainda em tramitação na Justiça.
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